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  • Foto do escritorMarcelo Canquerino

Belas Artes através das décadas: uma história institucional

Atualizado: 2 de jul. de 2023

Nascimento: do Cine Trianon ao Belas Artes

Entre altos e baixos, mas sempre encontrando uma forma de se reinventar, o Belas Artes, ainda ativo na Rua da Consolação, 2423, completa 67 anos de existência em 2023. Eles Se Casam Com As Morenas (1955) foi o filme escolhido para a inauguração do famoso cinema de rua de São Paulo em 14 de junho de 1956. Na época, só tinha uma sala com 1400 lugares e nem se chamava Belas Artes, mas Cine Trianon, e era administrado pela Cia. Cinematográfica Serrador Ltda.


O nome pelo qual ficaria conhecido só veio em 14 de julho de 1967, em seu aniversário de 11 anos, quando foi inteiramente reformado. Desde essa época, a programação tinha como predominância produções do chamado cinema de arte, com organização da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), criada em 1962, para apoiar a Fundação Cinemateca Brasileira. O presidente da SAC, Dante Ancona Lopez, fez um acordo com a Cia Cinematográfica Serrador Ltda para se responsabilizar pela parte artística e administrativa do cinema — ele, inclusive, já era conhecido por trazer filmes do circuito alternativo para São Paulo.


Cine Trianon: a origem de tudo. Imagens: cedidas pelo pesquisador Ricardo Soriano


O espaço extrapolava a sala de cinema para proporcionar experiências mais aprofundadas que fossem além dos filmes. No primeiro andar ficava a secretaria e a biblioteca da SAC, além de uma galeria de exposições permanentes. Já no hall de entrada ficavam estandes com lançamentos de livros e discos de vinil; e havia um pequeno palco para espetáculos de música, dança, teatro, conferências e palestras.


Uma sala, apenas, não estava mais dando conta do recado. Então, em 1970, o Belas Artes foi dividido em duas salas, batizadas com os nomes do maestro e compositor Villa-Lobos e do pintor Cândido Portinari. Cinco anos depois, o cinema ganhou sua terceira sala, a do escritor Mário de Andrade, no subsolo — onde filmes de mostras e ciclos especiais eram exibidos, enquanto os mais populares passavam nas outras duas.


Tudo parecia caminhar bem, mas um incêndio abateu o cinema em 10 de maio de 1982. As chamas consumiram instalações das salas Villa-Lobos e Cândido Portinari. A princípio, pensou-se que tudo foi uma fatalidade, pois no ano anterior fiscais da prefeitura apontaram irregularidades no ambiente, como salas revestidas com madeira e escadas estreitas sem sinalização. Porém, a polícia encontrou um maçarico e um cofre com sinais de arrombamento, o que levou a suspeita de incêndio criminoso. O inquérito nunca foi concluído.


Juventude: quando o cinema tornou-se pop

Passado o susto, em 2 de junho de 1983, o cinema voltou a abrir suas portas para o público. Nessa reabertura, ganhou outro nome, seu terceiro: Gaumont Belas Artes. A distribuidora francesa Gaumont do Brasil Cinematográfica Ltda havia comprado a Cia. Serrador. Eles também foram responsáveis por trazer o conceito de multiplex para a cidade, o primeiro da América Latina. As salas tornaram-se mais coloridas, do verde ao vinho, e o aparato mais tecnológico, com equipamentos eletrônicos de projeção que usavam tecnologia europeia e sistema de som Dolby. Além disso, as salas passaram de três para seis, com adição dos nomes da cantora Carmem Miranda, do arquiteto Oscar Niemeyer e do escultor Aleijadinho.


Após 13 dias aberto, o cinema foi novamente fechado pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e Comissão Especial de Uso e Ocupação do Solo, que exigiu algumas modificações no espaço em conformidade com o Código de Edificações. Em outubro, o Gaumont Belas Artes voltou a funcionar.


Belas Artes já foi administrado por distribuidora francesa. Imagem: Reprodução/obarquinhocultural


A breve experiência do cinema apenas com filmes comerciais foi desastrosa. Isso aconteceu em janeiro de 1987, quando o Circuito Alvorada assumiu a administração do cinema. O resultado da mudança foi uma crise na década de 1990, que resultou na perda do público fiel. Além disso, o prédio estava em um estado deplorável, sem manutenção e deteriorado.


Agora, a história mais recente do Belas Artes começa. Em 27 de julho de 2001, a distribuidora e exibidora carioca Estação Botafogo assume o cinema, que passa a ser chamado de Estação Belas Artes, e retoma sua programação cult. A situação durou pouco mais de um ano, quando o espaço voltou a correr risco de fechar. No final de 2002 o Grupo Estação decidiu concentrar suas atividades no Rio e deixar o mercado de São Paulo, onde administrava 10 salas (seis do Belas Artes, duas do Top Cine e duas do Studio Alvorada).


“O Belas Artes é um patrimônio vivo de São Paulo, não pode fechar", eram os dizeres de um cartaz pendurado na fachada do cinema em 5 de dezembro de 2002. O protesto fez parte do movimento Viva o Belas Artes, criado para defender este espaço. Presidido pelo arquiteto Roberto Loeb e com a jornalista Sônia Morgenstern Russo como vice, as manifestações conseguiram adiar o fechamento por alguns dias.


Os protestos do público em defesa do cinema são pungentes desde sempre. Imagen: Reprodução/cinemasdesp.com.br


Foi então que o cineasta e distribuidor, já fã declarado do Belas, André Sturm, entrou na jogada. Fundador da distribuidora Pandora Filmes, ele se tornou sócio do cineasta Fernando Meirelles e da produtora O2 Filmes em 2003, e juntos começaram a administrar o cinema, evitando que ele fechasse. Após renegociarem o aluguel do imóvel, conseguiram uma parceria com o banco HSBC (hoje extinto no Brasil) e assim nasceu o HSBC Belas Artes.


Fase adulta: entre crises e fechamento, o Belas Artes prova-se um símbolo de resistência

Clima de festa na reinauguração, que aconteceu em 28 de maio de 2004, com a exibição, em todas as salas, de O Outro Lado da Rua (2004), estrelado por Fernanda Montenegro e Raul Cortez. Organizada por Sturm e Meirelles, a programação, que já incluía de 6 a 8 longas em cartaz, achou um ponto de equilíbrio entre o cinema de arte e filmes comerciais escolhidos a dedo. Havia uma mescla entre clássicos, nacionais, filmes inéditos e raros — característica presente até hoje.


Um dos projetos mais conhecidos do local, o Noitão (exibição de 3 filmes, sendo um deles surpresa, da meia-noite de sexta à manhã de sábado), começou no Belas nesta época. “Um dos primeiros Noitões, temático do Tim Burton, encheu todas as 6 salas. Na época tinha Orkut, existiam comunidades como: Eu vou no Noitão. E não era a gente que fazia. Eram os fãs. No terceiro ou quarto Noitão, no intervalo do primeiro para o segundo filme, chega um rapaz com uma pizza e diz que veio entregar. Eu falei que era engano porque ali era um cinema. E ele disse que uma pessoa fez o pedido e solicitou que entregasse na sala 2. O homem da sala ligou para a pizzaria e encomendou uma pizza para comer no intervalo. Porque era isso. Uma maratona. É um projeto que deu muito certo”, relembra André Sturm, proprietário do Belas Artes.


Antes de reabrir, duas grandes reformas foram projetadas por Roberto Loeb e Alexandre Toro — deixando o Belas Artes basicamente como o público conhece atualmente. O hall de entrada e os corredores ficaram mais espaçosos, a famosa janela no primeiro andar com vista para Rua da Consolação foi feita, foram postas quatro novas bilheterias sem vidro no térreo, além de um elevador para pessoas com deficiência e novas poltronas. No âmbito de exibição de filmes, as lentes de projeção e o sistema de som ficaram mais modernos.


Tudo caminhava perfeitamente no cinema até que em março de 2010, uma nova ameaça de fechamento surgiu: o HSBC retirou o patrocínio. Apenas a bilheteria dos filmes nunca foi suficiente para manter o Belas Artes de pé — principalmente pelo custo do aluguel do prédio. Mesmo em meio a essa adversidade, o cinema continuou de portas abertas. “Nós não utilizamos o espaço da forma como um comércio comum utiliza. Temos um espaço gigantesco e não usamos nem 40% dele, apenas as salas de exibição em um horário restrito. Somando isso com a especulação imobiliária, o aluguel, e contas, como luz e ar condicionado, vira uma dificuldade. Isso é um fator que as pessoas deixam de pensar quando olham para um cinema de rua”, explica Juliana Brito, atual diretora executiva do Grupo Belas Artes.


O dramático processo de renovação do contrato de aluguel do prédio com o proprietário, Flávio Maluf, não deu certo. Mesmo André conseguindo três empresas dispostas a patrocinar o Belas, Maluf solicitou a devolução do espaço em dezembro de 2010.


Os esforços para manter o Belas Artes funcionando foram tantos que em janeiro de 2011, o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) e o CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) abriram um processo de tombamento do prédio. Entre as análises estavam a relevância do Belas para o conjunto de edifícios de arquitetura moderna dos anos 1940 e 1950, e para a caracterização urbanística da Rua da Consolação e Avenida Paulista. O processo também levantou a importância de preservar a arquitetura original do Cine Trianon, de 1956, projetado pelo arquiteto Giancarlo Palanti.


Inevitável, o anúncio do fechamento foi feito — e desencadeou diversas manifestações populares que são lembradas por frequentadores do cinema até hoje. Passeatas na Av. Paulista tornaram-se corriqueiras. Blogs e páginas nas redes sociais foram criados em defesa do local, além de abaixo-assinados físicos e online, com registros de cerca de 28 mil adesões. Apesar dos esforços, o Belas se despediu do público com A última sessão do cinema, exibindo longas como La Dolce Vita (1960) e No Tempo da Onça (1940), e fechando as portas em 17 de março de 2011.


Com o desmonte, equipamentos das salas de projeção foram doados para a Escola de Comunicações e Artes da USP, e as poltronas, vendidas. Vazio por meses, o prédio foi todo pichado. Ainda em 2011, o tombamento foi negado pelos órgãos responsáveis que analisavam o processo. Mas a esperança de fazer o coração do cinema voltar a bater foi reacesa em dezembro do mesmo ano, quando a justiça exigiu que o processo de tombamento fosse revisto, após pedido do Ministério Público Estadual feito por defensores do Belas Artes. Em 11 de abril de 2012, foi instaurada a CPI Cine Belas Artes, criada pelo vereador Eliseu Gabriel, para apurar a regularidade dos processos de tombamento e analisar a função social do prédio.


O barulho trouxe resultado: em 15 de outubro de 2012, a fachada e a entrada do Belas foram tombadas pelo CONDEPHAAT, passo importantíssimo para o seu retorno. Com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e apoio da Prefeitura de São Paulo, o cinema renasceu mais de 3 anos depois como Caixa Belas Artes. O espaço voltou a funcionar em 19 de julho de 2014 após mais uma reforma, também assinada por Roberto Loeb, que deixou as instalações mais modernas e com mais acessibilidade PcD (pessoas com deficiência).


Após HSBC, Caixa e Prefeitura deram outra chance ao cinema. Imagens: Divulgação; Ricardo Soriano


A Prefeitura começou a contribuir com projetos culturais para ampliar o acesso ao Belas, como o Escola Vai ao Cinema, para estudantes das redes públicas e particulares. Nas segundas-feiras, os trabalhadores também foram contemplados com o benefício da meia-entrada, que funciona até hoje. O Noitão voltou ao seu momento de glória, um sucesso desde a criação, e o espaço voltou a ter sangue circulando por suas veias.


Meia década se passou e tudo corria bem. Mas, novamente, outra surpresa inesperada. Com o fim do contrato de patrocínio e a chegada do governo de Jair Bolsonaro, em 2019, não houve renovação do apoio da Caixa. O cinema voltou a se chamar Cine Belas Artes e, mais uma vez, correu risco de fechar. Em 17 de março do mesmo ano, produtores e cinéfilos se reuniram com balões de coração no prédio para declamar o amor pelo espaço e inaugurar o movimento popular Belas Meu Amor — que ajudou a manter o cinema aberto ao defender sua importância, não só como patrimônio afetivo, mas também pelo seu valor histórico, artístico e intelectual.


Movimento Belas Meu Amor. Imagem: Divulgação


Em busca de novas empresas para patrocínio em meio a mais uma onda de incertezas, o Grupo Petrópolis, que produz a cerveja Petra, entrou em contato com André Sturm. Em pouquíssimo tempo, a parceria foi fechada e assim surgiu o nome do cinema que os cinéfilos de São Paulo amam: o Petra Belas Artes. “Quando perdemos o patrocínio da Caixa, várias empresas nos ligaram propondo parceria. Um dia uma pessoa da Petra entrou em contato querendo conversar. Eles ficaram encantados com o cinema. Foi o negócio mais rápido que fechei. Estávamos conversando com outras empresas, tudo andava devagar. Fechamos o negócio com a Petra em 10 dias. Ao longo da pandemia, inclusive, eles mantiveram o patrocínio mesmo com o cinema fechado”, detalha André Sturm.


Desde 1956, como Cine Trianon, até 2023, como Petra Belas Artes, o cinema resiste e se renova — permanece de portas abertas e, se depender daqueles que o amam, ainda terá muita história para contar.


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