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  • Foto do escritorMarcelo Canquerino

Os anos atestam: cinemas de rua precisam ser preservados

Atualizado: 2 de jul. de 2023


O casal relembrou os filmes memoráveis que assistiu no Belas Artes olhando para os cartazes nas paredes do cinema. Imagem: Marcelo Canquerino


Assim como meu marido, Wagner, de 69 anos, comecei a frequentar o Belas Artes na época da faculdade de direito, na década de 1980. Antes disso, porém, já tinha tido contato com as artes durante o ensino médio, especialmente teatro e cinema, pois era algo estimulado nas escolas estaduais da época — inclusive, onde estudava. Meu nome é Ideli, e quando o assunto é história, posso afirmar que assisti de perto vários momentos cruciais pelos quais o Belas Artes passou. Hoje, no auge dos meus 71 anos, sou uma grande defensora de espaços culturais, principalmente os cinemas de rua. Eu e Wagner lutamos juntos contra o fechamento do Belas em 2011 — participando do movimento em defesa do espaço e assinando abaixo-assinados.


Minha relação com a sétima arte começou com uma proibição. Quando era jovem meu pai baixou o decreto: “você não vai assistir a Doutor Jivago (1965)” — e foi exatamente a famosa curiosidade que me chamou a atenção no filme. No fim das contas, minha tia levou minhas primas e eu para o cinema sem ele saber. A história me impressionou por abordar a relação de um homem casado, o doutor Yuri Zhivago, com sua amante, a enfermeira Lara, em meio a discussões sobre a Revolução Russa.


O Wagner conheceu o Belas Artes por volta de 1978, quando passou a ir mais ao cinema durante a faculdade de filosofia. Os filmes pelos quais ele se interessou e virou fã mesmo foram aqueles considerados de cinema de arte. Logo após a Anistia no Brasil, começaram a passar vários longas desse estilo no SBT, de diretores como Federico Fellini. Wagner adorava essas produções justamente por trazer reflexões profundas sobre a sociedade. Um filme que meu marido se lembra dessa época e que voltou a rever recentemente é O Jardim dos Finzi-Contini (1970), sobre uma família de aristocratas judeus na década de 1930 que vive na Itália e vê o avanço do nazismo e do fascismo no país.


Temos muitas histórias marcantes no Belas Artes. Vários dos posters de filmes antigos que estampam esse cinema assistimos aqui: desde Una Giornata Particolare (1977), com a Sophia Loren e o Marcello Mastroianni, até Roma, Cidade Aberta (1945). O que gosto neste espaço é a variedade. Uma vez trouxe minha amiga Socorro, que não é chegada a cinema, e foi uma escolha muito acertada porque vindo a qualquer momento, você sabe que terá no mínimo uma opção de longa do seu agrado. Não me recordo o nome, mas assistimos a um filme sobre um compositor de violoncelo e foi maravilhoso (ela gostou). Aqui existem desde produções cabeça até blockbusters. E.T. O Extraterrestre (1982) assisti no Belas Artes — até porque, alguns filmes precisam ser vistos na tela grande.


Além do Belas, Wagner e eu frequentamos bastante na juventude outros cinemas de rua em São Paulo, como o Cine Bijou e o Cine Arouche. O clássico soviético O Encouraçado Potemkin (1925), assistimos no Arouche. Um colega nosso, padre seminarista, roubou o pôster desse filme para colocar na sala de sua casa — e está lá até hoje. Outro cinema de rua marcado na minha memória por um motivo particular é o Cine Paramount, que ficava na Brigadeiro Luís Antônio. Numa tarde de um dia qualquer, decidi sair do escritório onde trabalhava, e ir sozinha até lá para assistir O Bebê de Rosemary (1968). O que poderia ser uma experiência normal com um filme de terror se tornou assustador pelo fato de eu estar grávida de três meses na época — e sinceramente não sei como cheguei ao final.


Foram através dessas vivências que nos demos conta da importância de ambientes como cinemas de rua. Quando retornei ao Belas após a reabertura como Caixa Belas Artes, senti como se estivesse voltando para aquele lugar aconchegante, que você conhece e frequenta há décadas, com o pensamento na cabeça: “Ufa! Ainda bem que ele continua de pé”. Wagner e eu temos boas lembranças com esse lugar. Atualmente, trabalho na área de regularização fundiária, ambiental e de questões urbanas. Isso me faz enxergar com mais clareza que espaços importantes para a cidade precisam ser conservados. Não dá para sair derrubando tudo e construir prédios. Por isso, tenho muita satisfação em poder ir e vir até um cinema que faz parte da minha memória afetiva e do meu marido.


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