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  • Foto do escritorMarcelo Canquerino

Uma Noite no Cinema: de frequentador à MC Noitão

Atualizado: 2 de jul. de 2023


Leo Mendes, mais conhecido por apresentar os famosos Noitões do Belas Artes. Imagem: Assessoria Grupo Belas Artes


Antes mesmo de trabalhar com a sétima arte, o Belas Artes foi um dos cinemas que eu mais frequentei. Na minha juventude, quando não comprava jornal para ver as estreias da semana, ia direto para o Belas, porque lá eu sabia que teria uma gama de possibilidades para escolher. Comprava um sanduíche na lanchonete Baguette e comia enquanto observava os cartazes em tamanho gigante na frente do cinema. Às vezes escolhia o que ia assistir pelo cartaz mais bonito — e me dei mal várias vezes, mas também já acertei. Foi lá que vi grandes produções como Minha Vida de Cachorro (1985), de Lasse Hallström, E La Nave Va (1983), de Fellini, esse não sendo uma estreia, e sim relançamento, além de Veludo Azul (1986), de David Lynch, que lotou as salas. Bom, nunca passou pela minha cabeça que me tornaria tão íntimo desse lugar como sou hoje.


Meu nome é Leo Mendes e trabalho há mais de 30 anos no Grupo Belas Artes, atualmente como gerente de inteligência. Sou um dos funcionários mais antigos da casa. Formado durante a pandemia para dar continuidade às atividades remotamente, o Grupo engloba três segmentos: a distribuição de filmes pela Pandora Filmes; o streaming Belas Artes À Lá Carte; e a exibição de filmes pelo Petra Belas Artes. Minha jornada começou na Pandora, no ano de 1991. Foi apenas 12 anos depois, que minha relação com o famoso cinema de rua ficou mais estreita — e profissional.


André Sturm, diretor-fundador da Pandora e meu amigo, sempre quis ter uma sala de exibição desde que inaugurou sua produtora. Chegamos a ter algumas salas, inclusive. A primeira foi o Veneza Cineclube, que ficava no coração do bairro do Bixiga, na Rua Treze de Maio. Depois tivemos o Cinevitrine, na Rua Augusta. E por fim uma sala em um cinema de shopping em Mogi das Cruzes. Em 2003, André soube que o Belas Artes estava com risco de fechar. Na época, o cinema era administrado pelo Grupo Alvorada e pelo Grupo Estação, do Rio de Janeiro, que também tomava conta do Top Cine, perto do prédio da Gazeta. Eles não estavam mais conseguindo manter em funcionamento as duas salas de São Paulo e precisavam entregar uma delas. André, que era amigo dos administradores do Grupo Estação desde os tempos de cineclubista, negociou a compra de um dos cinemas. Primeiro houve a possibilidade de ser o Top Cine e ele me contou tudo, pedindo segredo. “Em breve vamos ter um cinema novamente”, me dizia. Quando ele me chamou contando que, na verdade, seria o Belas Artes, foi uma empolgação sem tamanho. Era o nosso cinema preferido. Já tínhamos tanta história com aquele lugar.


André comprou a parte do Grupo Estação, e por um curto período administrou o Belas com o Grupo Alvorada. Quando o Alvorada saiu, ele se uniu ao cineasta Fernando Meirelles para dar continuidade à empreitada. Com a necessidade de patrocinador (já que só a bilheteria não era suficiente), conseguimos o apoio financeiro do banco HSBC — que nem existe mais —, em 2004. Nesse período atuei como gerente, e foi quando o Belas gritava por uma reforma. Pegamos o lugar numa situação complicada: quadro de funcionários defasado, ar-condicionado pifando, carpete com cheiro de mofo… O estado de conservação estava péssimo, e a aparência do cinema era diferente do que é hoje.


Em 2011, tivemos outro problema. O cinema precisou fechar porque perdemos o patrocínio do HSBC e o proprietário, irredutível em relação à sua decisão, queria o imóvel de volta. O Belas ficou fechado até 2014 quando conseguimos apoio da Prefeitura de São Paulo e, principalmente, um novo patrocinador: a Caixa Econômica Federal. Assim, reabríamos como Caixa Belas Artes. Foram longos anos com este novo patrocínio. Mas uma olhada rápida para a fachada do cinema atualmente mostra que o Belas já tem outro nome. Em 2019, ficamos sem patrocinador (novamente) e este, com certeza, foi um dos períodos mais difíceis porque tivemos que sobreviver praticamente só com a bilheteria para sustentar o cinema. Isso era impossível considerando gastos com funcionários, conta de luz, água e principalmente o aluguel do imóvel. Mas o sufoco durou apenas três meses, quando conseguimos o apoio da cerveja Petra — e hoje, o nome que figura no letreiro do cinema é Petra Belas Artes.


Com o passar dos anos, entre aberturas e reaberturas, ganhamos o título de cinema mais querido de São Paulo. Temos uma história de tradição e sempre defendemos isso. Desde os primórdios, trazemos uma programação voltada para filmes diferentes daqueles encontrados em abundância nos circuitos comerciais. E, além de tudo, sempre pensamos em projetos inventivos para enfatizar esse perfil. O mais querido, e pelo qual a maioria das pessoas nos conhece, é o famoso Noitão. O que poucos sabem, porém, é que esse evento foi criado há décadas, antes mesmo de aterrizar no Belas.


O Noitão nasceu em 1987 em um cinema que não existe mais, o Cineclube Oscarito, na Praça Roosevelt. Conheci esse evento porque trabalhei lá de 1989 a 1991. Na época, cursava o ensino médio, o colégio técnico e estudava desenho de comunicação. Apesar de fazer muitas coisas, não estava satisfeito, quiçá feliz. Foi aí que comecei a matar aula e faltar no trabalho (numa sapataria do Brás) para ir ao cinema. Além do Belas, frequentava muito o Oscarito. Após assistir a uma sessão do filme polonês Possessão (1981), de Andrzej Zulawski, e ficar completamente impressionado e chocado, tive o ímpeto de voltar lá e falar com a moça da bilheteria para pedir um emprego. Por sorte, estavam precisando de um segurança e foi assim que tudo começou — abandonei o curso técnico e o emprego e me joguei. No Oscarito, cheguei a trabalhar em alguns Noitões.


Leo fazendo os famosos sorteios durante o Noitão Crianças Diabólicas. Vídeo: Kelly Costa


André Sturm foi um dos fundadores do Cineclube Oscarito, e também era um dos mentores do Noitão. O movimento cineclubista era muito forte naquele período. Sem fins lucrativos, os cineclubes existiam pelo país inteiro e juntavam pessoas em uma sala de exibição para debates cinematográficos, quase como centros de estudos para o pessoal engajado. Por ter me tornado amigo do André, sei que ele foi um cineclubista desde antes de seus 20 anos. Ele teve a ideia para o Noitão após uma viagem à Londres, onde descobriu sessões noturnas que rolavam de madrugada, regadas a vinho e debates sobre os filmes exibidos. Isso despertou uma vontade nele de trazer o costume para o Brasil — e o formato foi adaptado. Sem debate e sem vinho, mas apenas uma sequência de três filmes que começa à meia-noite de sexta e vai até o sábado de manhã.


Um ano após eu sair do Oscarito, o cinema fechou. O grande evento da madrugada, então, ficou esquecido pelo tempo. Quando André se tornou diretor do Belas Artes em 2003, ele teve a ideia de ressuscitar o Noitão e me colocar no comando. Eu só pude dizer: “vamos fazer o quanto antes!”. Em 2004, arriscamos a primeira edição e foi um sucesso. Desde então, não paramos mais. Ele só deixou de acontecer quando ficamos fechados, após a saída da Caixa, e, claro, durante a pandemia. Como sou o mestre de cerimônias, adoro contar essa história para pessoas, que não sabem que o evento, feito religiosamente todo mês, nasceu em 89 e se mudou para cá.


Foram anos de altos e baixos com este cinema clássico de São Paulo. Ele existe desde 1956, quando foi inaugurado como Cine Trianon. Virou Belas Artes em 1967. Começou apenas com uma sala e um balcão — e o espaço foi sofrendo mudanças. Primeiro vieram as duas salas: Villa Lobos no térreo e Candido Portinari na parte de cima, em 1970. Já em 1975, o cinema ganhou mais uma sala no subsolo, a Mário de Andrade. E em 1983, vieram as outras três salas, completando as seis que possui atualmente. Algumas mudaram de nome e hoje se chamam Leon Cakoff, Rubens Ewald Filho, SPCINE Aleijadinho, Carmen Miranda, Villa-Lobos e Mário de Andrade, todas em homenagem a figuras brasileiras importantes.


No coração de São Paulo, ao lado de uma estação de metrô e várias linhas de ônibus, o Belas se tornou um lugar prático para o público. Por vezes, já que está na rua, as pessoas simplesmente passam na frente e acham curioso, decidem entrar para conhecer. Outros, vem só para tomar um café e comer um pão de queijo, e acabam assistindo a um filme, porque a variedade é muito grande. De forma geral, os cinemas de rua têm um charme próprio, além de toda tradição que carregam. Antigamente, só existia cinema de rua. Eles só foram migrando de lugar com o surgimento dos shoppings, mas alguns ainda resistem aqui em São Paulo. E mesmo hoje, noto que os públicos são diferentes. Os que vem aqui no Belas, por exemplo, tem uma ligação de amor com o espaço do cinema em si. E é isso que nos motiva a alimentar esse amor, para que a experiência das pessoas aqui marque a vida delas.


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