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  • Foto do escritorMarcelo Canquerino

Como o Belas Artes sobreviveu à pandemia?

Atualizado: 2 de jul. de 2023

O início de 2020 trouxe consigo uma doença letal que abalou o mundo e, em três anos, ceifou mais de 700 mil vidas no Brasil. A pandemia de Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, e como o vírus era transmissível através do ar, a recomendação para toda população foi não sair de casa. Trabalhos tornaram-se remotos e estabelecimentos fecharam as portas para conter o avanço da doença. Assim como bares e restaurantes, os cinemas também encerraram as atividades — e lutam até hoje para se recuperar do baque.


Durante dois longos anos de agonia e incertezas, salas de exibição espalhadas por todo o Brasil fecharam. Muitas, porém, não conseguiram se reerguer após a pandemia. Foram cerca de 300 salas extintas pela crise sanitária. No olho do furacão, o Belas Artes precisou encontrar formas criativas para se manter na ativa e não fechar as portas de vez — e por ser um cinema de rua, enfrentou mais mil e um obstáculos pelo caminho. Com histórico de fibra, ele tornou-se um sobrevivente.


2020: cinema e álcool em gel

Os cinemas do Brasil, mais especificamente os de São Paulo, fecharam em meados de março. Sem bilheteria, seria impossível para o Belas Artes, assim como qualquer sala de exibição, se manter, pois mesmo fechado, é preciso custear gastos com luz, água, energia, e funcionários. Neste caso, o aluguel foi mantido pelo patrocínio com o Grupo Petrópolis, que não retirou seu apoio mesmo em meio a pandemia. “Manter um cinema de rua como o Belas, atualmente, custa mais de R$150 mil por mês”, explica Juliana Brito, diretora executiva do Grupo Belas Artes, que foi criado durante a pandemia e une o cinema, o streaming À La Carte e a distribuidora Pandora Filmes.


O primeiro ato em busca de evitar um novo fechamento foi a abertura de um crowdfunding (financiamento coletivo), em 20 de março de 2020. Com público cativo, o Belas ofereceu recompensas como ingressos para reabertura, acesso gratuito temporário ao seu streaming e até poltronas personalizadas no próprio cinema. Para evitar demissões, os R$60.990 arrecadados foram direcionados para pagar o salário de 55 funcionários e também arcar com despesas do prédio.


Seguindo a linha do financiamento coletivo, a segunda tentativa de manter lucros surgiu com a prorrogação da quarentena. Artistas do cinema nacional, como Marco Pigossi e Anna Muylaert, se uniram e doaram figurinos e objetos para ajudar o Belas em um leilão virtual. Os itens iam de um casaco usado por Maria Ribeiro em Como Nossos Pais (2017), até um boné de Reynaldo Gianecchini. As distribuidoras, como Disney, também entraram na jogada para oferecer posters de filmes que podiam ser arrematados.


O terceiro ato foi o mais ousado — e que mais deu certo. Observando uma tendência que surgiu dentro e fora do Brasil, André Sturm, diretor do Belas Artes, decidiu apostar na volta do drive-in. Popular entre os anos 1950 e 1960 nos Estados Unidos, a prática de ver filmes na tela grande enquanto se está dentro do carro voltou durante a pandemia.


Como a reabertura dos cinemas ainda era incerta em função do avanço da Covid-19, o Belas Artes Drive-In tornou-se uma solução para gerar renda e uma forma de entretenimento que permitiu às pessoas saírem um pouco de casa. Seguindo todos os protocolos sanitários, a atividade foi de 16 de junho a 18 de outubro. Clássicos como O Iluminado (1980) e Laranja Mecânica (1971) marcaram presença na tela de 15 metros de largura alocada no Memorial da América Latina.


Ainda em 2020, o Belas Artes se arriscou ao tentar sua primeira reabertura. Em 3 julho, o governador da época, João Dória, anunciou que teatros e cinemas poderiam voltar às atividades a partir de 27 de julho como parte do Plano São Paulo, que buscava flexibilizar as medidas da quarentena. A ideia era reabrir em 6 de agosto, mas a famosa fachada do cinema só levantou seus portões em 10 de outubro. No dia, 32 pessoas saíram de casa para assistir a uma versão remasterizada de Apocalypse Now (1979) na sessão das 15h. Das seis salas, que funcionavam com 40% de capacidade, apenas quatro estavam exibindo filmes.


Público voltou ao Belas mesmo de máscara e com álcool em gel. Imagens: Paula Ferraz


A população, ainda assustada com a letalidade do vírus, sentiu que esse não era o momento de voltar ao cinema. Sem as vacinas, que só chegariam ao Brasil no ano seguinte, as pessoas não tinham meios de se proteger do vírus além de ficar em casa. Pouco mais de um mês da reabertura, em 14 de dezembro, o Belas Artes fechou as portas por falta de público.


2021: a busca pelo antigo normal

Novo ano, nova tentativa de reabrir. Em 7 de janeiro, o Belas Artes voltou a funcionar seguindo os protocolos de proteção. Como forma de demonstrar agradecimento, os profissionais de saúde tiveram, durante o mês, entrada gratuita. A tentativa, porém, não durou. Em 6 de março, o cinema fechou por tempo indeterminado — e alguns dias depois, a cidade de São Paulo voltou à fase emergencial do plano de contenção da pandemia. O abre e fecha estava sendo mais danoso do que benéfico, e o melhor seria esperar que boa parte da população fosse vacinada.


A volta definitiva do Belas aconteceu em 24 de junho, e a partir de então o cinema não fechou mais. Na primeira reabertura, havia uma fila na calçada. Mas a situação não se repetiu. O mal estar e os estragos causados por mais de um ano de pandemia deixaram feridas expostas na indústria do audiovisual que não fecharam até agora. O Noitão, projeto mais querido do Belas, retornou em 27 de agosto com sua clássica programação de dois filmes e um longa surpresa na madrugada. O último havia acontecido em 2020, antes da Covid-19.


2022 e 2023: feridas que não cicatrizaram

Com o avanço da vacinação, as medidas de restrição impostas pela pandemia foram regredindo aos poucos. Em 2023, por exemplo, o uso de máscaras e o distanciamento social não são mais obrigatórios nos cinemas. O baque na indústria, porém, foi forte. De acordo com o levantamento Hábitos Culturais III, feito pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto Datafolha, o cinema foi a atividade cultural presencial que mais perdeu público no Brasil após a pandemia. Apenas 26% dos 2240 entrevistados foram assistir a um filme na tela grande entre agosto de 2021 e agosto de 2022 — antes da Covid-19, esse número era 59%.


Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), em 2020, com a chegada da pandemia, houve uma queda de 78% no número de espectadores em relação a 2019. Os 177,7 milhões de pessoas transformaram-se em 39,4 milhões. A bilheteria acompanhou a queda vertiginosa: foi de R$2,8 bilhões para R$628 milhões.


Em sucessivas tentativas de fazer as pessoas voltarem ao cinema, a Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec) organizou no mês de agosto de 2022, em São Paulo, a Semana de Cinema. As redes Cinemark, Cinépolis, UCI e o Belas Artes colocaram seus ingressos a R$10. No ano seguinte, a dose foi repetida.


Fazendo frente às adversidades, os cinemas de rua ainda resistem em meio à selva de pedra. Concentrados no Centro e na Zona Oeste, atualmente existem 11 destes espaços na cidade de São Paulo (Belas Artes, Cinesesc, Reserva Cultural, Cine Marquise, Cine Satyros Bijou, Cinesala, Espaço Itaú de Cinema, Cine LT3, Cineclube Cortina, Marabá e Cinemateca). Dois deles surgiram recentemente, o Cineclube Cortina, na República, e o Cine LT3, em Perdizes. Autora da reportagem “Sagas heroicas: cinemas de rua buscam fórmulas criativas para resistir”, a jornalista da VEJA São Paulo, Barbara Demerov, explica que “os cinemas de rua aproximam as pessoas da cidade e dos espaços que compõem o cenário urbano”.


“Minha relação com o Centro, por exemplo, se aprofundou quando passei a frequentar cinemas de rua. Na época da faculdade, já sabia que queria ser crítica. Então, em meados de 2014, fiz um curso no Espaço Itaú Anexo — e a partir dali, um mundo novo se abriu para mim”, relembra Bárbara sobre o cinema da Augusta que estava sob ameaça de fechamento.


Além da experiência dentro da sala de exibição, os cinemas de rua também são importantes para o seu entorno. “Valoriza a região, deixando-a mais segura. Tem esse papel cultural e urbanístico. A pandemia devastou o entorno que, infelizmente, ainda não se recuperou. Em outros tempos tinham até mais lugares ao redor do Belas. Quando reabrimos, em 2014, o movimento do outro lado da rua aumentou, assim como na banca de jornal e no sebo da passagem subterrânea ao lado”, analisa André Sturm.


“Em relação a pandemia, o Belas está melhorando aos pouquinhos. O que tem dado certo são alguns eventos e mostras paralelas que trazem bons resultados. Mas ainda assim, estamos por volta 30% mais baixo do que antes de 2020, em termos de público”, detalha Juliana. No pré Covid-19, o Belas fazia por volta de 30 mil por mês, e hoje está entre 18 e 23 mil.


Lentamente, o cinema de rua ressurge de um período de trevas que derrubou toda uma indústria ao redor do mundo.


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