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Aventuras no centro da cidade — e nas salas de um certo cinema de rua

  • Foto do escritor: Marcelo Canquerino
    Marcelo Canquerino
  • 27 de jun. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 2 de jul. de 2023


Matheus Souza durante Noitão de filmes coreanos. Imagem: cedida pela fonte


Um dos lugares mais inusitados onde eu fazia maratonas noturnas de filmes durante a adolescência era na minha igreja. Sim, parece estranho, mas acontecia. Existia uma programação chamada Noite do Cinema, algo nesse estilo. Como na maioria das igrejas havia o templo, e também outros espaços — um deles era a sala de vídeo. Os jovens eram convidados a ir até lá, de sexta a noite, e assistir uma sequência de filmes. E não eram apenas produções religiosas. Lembro de ter assistido longas de terror como Premonição 4 (2010), e até mesmo fantasia e thriller, como A Dama na Água (2006), de M. Night Shyamalan. Até este momento, só havia tido essa experiência na casa de Deus, mas anos depois, descobri outro lugar onde poderia maratonar filmes na madrugada: no Belas Artes.


Me chamo Matheus Souza, tenho 27 anos e sou formado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Bom, foi no cinema do número 2423 da rua da Consolação que descobri o Noitão e que, guardadas as devidas proporções, tinha semelhança com a programação da noite de filmes da minha igreja. O primeiro que participei foi o do Senhor dos Anéis (2001). Uma amiga minha era muito fã e me convidou para ir com ela. Depois dessa primeira experiência, demorei a voltar para outros Noitões porque eu era muito novo na época e não podia ficar saindo de madrugada. Mas, quando fiquei mais velho, retornei. Assisti um que teve o filme Apocalypse Now (1979), do Coppola, outro dedicado ao cineasta Pedro Almodóvar e o último foi o de Parasita (2019), filme sul-coreano dirigido por Bong Joon Ho que ganhou o Oscar em 2020.


Moro no Grajaú, periferia de São Paulo. E o Belas Artes está localizado mais para o centro da cidade. Até ficar um pouco mais velho, não costumava frequentar essa região para lazer. Geralmente, passava pela Avenida Paulista (e achava incrível) para chegar a outros lugares, como médico. Demorou até eu andar por lá sozinho ou com outras pessoas. Conheci o Belas bem no período em que ele reabriu como Caixa Belas Artes, em 2014. Esse ressurgimento coincidiu com o momento da minha vida em que eu estava começando a andar sozinho pela cidade. Soube que teve toda uma mobilização para não fechar, manifestações e vídeos de pessoas falando da sua relação com cinema. Logo que conheci o espaço fiquei encantado — e descobri que ele tinha toda uma história. Me recordo de ver os nomes das pessoas que apoiaram o movimento para evitar o fechamento do cinema em poltronas, por exemplo.


Nas primeiras vezes que fui ao Belas Artes, pude sentir o clima após anos sem funcionar. Mesmo eu não tendo frequentado antes do fechamento, quando ele voltou, percebi nas pessoas que havia uma comoção para que aquele espaço continuasse sendo um cinema. Era uma “vibe” gostosa. O público que ia estava feliz porque estava sendo possível ir àquele ambiente de novo — ambiente este com o destino incerto há pouco tempo atrás.


Esse não foi o único período de crise que o cinema passou. Não podemos esquecer da pandemia. Cheguei a acompanhar a situação dos cinemas, mas não fiquei tão atento por outras questões que a Covid-19 trouxe. Eram muitas preocupações para lidar ao mesmo tempo. Mas me recordo de quando as sessões pararam, tanto no Belas quanto em outros cinemas. Houve uma preocupação sobre como eles iam se manter. Foi a época das doações e que também descobri o streaming À Lá Carte, que assinei e tinha uma programação bacana.


Houve momentos polêmicos também. Demorei muito para me sentir confortável em ir ao cinema. Vi declarações de André Sturm, dono do Belas Artes, na Folha de S. Paulo, que achei problemáticas sobre retornar às salas de exibição quando infectologistas e cientistas que estudavam o vírus alertavam para as pessoas não ficarem em locais fechados. Achei as declarações estranhas, apesar de entender que, principalmente para cinemas de rua, mesmo os que têm patrocínio, se manter sem ter sessões era uma situação complexa. Para mim, foi só depois das vacinas que realmente me senti seguro no cinema. Senti falta de ver filmes na tela grande durante a pandemia, e agora que tudo voltou ao normal não parei mais de frequentar — especialmente o Belas, o Cinesesc e a Cinemateca.


Isso pode soar meio blasé, mas eu gosto que os cinemas de rua são espaços dedicados ao cinema, onde você vai para admirar uma forma de arte. Sinto que é uma experiência diferente das salas de exibição dos shopping, já que esses locais são dedicados a compra e venda, e os filmes são apenas uma das muitas coisas que você pode consumir. É uma sensação pessoal, mas sinto que nos shoppings há a ideia forte de compra de grandes “combos” de refrigerante e pipoca, e isso se torna um grande evento. Claro que alguns longas são divertidos de assistir assim, como Pânico 6 (2023), que lançou esse ano, e esses blockbusters que têm as sessões lotadas e você compra o maior refrigerante e a maior pipoca. Mas a sensação e o clima de cinemas de rua são totalmente diferentes, e eu normalmente frequento mais esses espaços.


Um charme que cinemas de shopping não tem são as programações paralelas. No Belas Artes, esses projetos diferentes são praticamente regra. Eu não conhecia até pouco tempo, mas descobri que existem sessões de filme com banda ao vivo, o Belas Sonoriza. Coincidentemente, fui em uma este ano, a minha primeira. Assisti Nosferatu (1922) com uma banda que tocou dois álbuns completos do Radiohead ao longo do filme. Nunca tinha assistido a esse clássico, e não sou super fã de Radiohead ao ponto de conhecer os discos, mas uma amiga do trabalho me convidou e eu topei. Foi uma experiência única, muito divertida — e acabei conhecendo um longa-metragem e uma banda numa tacada só.


Outro projeto do Belas Artes que pude vivenciar, mas que infelizmente não existe mais, é a sala Drive-In. Ela surgiu em junho de 2016 e era temática para lembrar essa época de ouro do cinema, na qual as pessoas assistiam a filmes na tela grande direto do banco do próprio automóvel. Colocaram poltronas reais de carros de décadas passadas, como Cadillac, no cinema. Havia brilhos e faróis nas paredes, e um bar nos fundos onde você podia comprar comida e bebida durante o filme. A sessão abria um pouco antes para as pessoas pegarem lanches e drinks no bar, e enquanto o longa não começava clipes, curtas ou desenhos animados passavam no telão. Era um ambiente muito diferente e gostoso. Assisti Aquarius (2016) pela primeira vez nesta sala. Na época, as pessoas estavam muito fervorosas no clima de “fora Temer”, o que contribuiu para a experiência. Vi Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch, também pela primeira vez — e foi marcante justamente por ter assistido na sala Drive-In. Sinto falta, e até hoje, se você for na sala 3 do Belas Artes, pode ver que parte da decoração ainda está lá, como uns canos e uns resquícios de faróis de carro.


Sala drive-in do Cine Belas Artes que já não existe mais. Imagem: Divulgação


Os cinemas de rua me ajudaram a desbravar São Paulo. Para mim, que já tinha interesse em cinema desde a infância, quando alugava DVD’s e VHS com a família, foi ótimo. Sempre quis ter a sétima arte na minha vida de alguma maneira. Terminei o ensino médio em 2013 e na época já trabalhava. Antes de entrar na faculdade, como tinha um dinheirinho e mais tempo livre, pude conhecer vários espaços culturais do centro da cidade. Tive contato com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo neste período, que me fez circular bastante pela Paulista para ver os longas do circuito. Comecei a frequentar lugares como Cinesesc, na rua Augusta, Sesc Vila Mariana e Sesc Pinheiros. A busca por filmes fora do eixo comercial foi outro ponto que me jogou para a “cidade grande”, porque se fosse para ver só longas comerciais, eu iria nos shoppings perto de casa.


Cinemas como o Belas tem toda uma cartela de possibilidades, o que é ótimo para aqueles que gostam de ser surpreendidos — como eu. É lindo ver que até hoje existem as programações paralelas por lá. Não é como uma Netflix analógica, que você vai e assiste a um filme. São projetos que acompanham os longas, acrescentam a experiência e tornam tudo mais gostoso.


 
 
 

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Luz, Câmera

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Trabalho de Conclusão de Curso do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA - USP)

Autor: Marcelo Augusto de Freitas Canquerino 

Orientador: Prof. Dr. Atílio José Avancini

Julho/2023

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