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  • Foto do escritorMarcelo Canquerino

Dos anos 2000 à pandemia: vi fechar, mas testemunhei os renascimentos

Atualizado: 2 de jul. de 2023


Paula Ferraz na época em que o cinema era Caixa Belas Artes. Imagem: Paula Ferraz


Quando comecei a faculdade de Jornalismo, há uns 20 anos, precisava me equilibrar entre os estudos de manhã e o trabalho à noite. Só me restava a tarde para fazer aquilo que gostava: assistir ao máximo de filmes possíveis. Eu já sabia que queria trabalhar com cinema, e por isso não perdia a oportunidade de me embrenhar em uma sala para ver longas na tela grande. Os cinemas de rua eram os que mais me chamavam atenção pela programação variada. Foi por isso que conheci e comecei a frequentar o Belas Artes, que na minha juventude se chamava, na verdade, HSBC Belas Artes.


Nessa época, o Belas tinha um cineclube que acontecia toda semana. Me recordo de ser temático. Por exemplo, em um mês eles escolhiam um diretor como Wong Kar-wai, e passavam um filme dele por semana. Eu tinha uma carteirinha desse cineclube, que me dava direito a um ingresso mais barato e era ótimo. Quando procurava os filmes que queria assistir, descobria que a grande maioria estava passando lá — o que explica o motivo de me tornar frequentadora assídua.


Meu nome é Paula Ferraz, tenho 41 anos, e sou fundadora da Sinny Assessoria, que presta serviços para a Pandora Filmes, parte do Grupo Belas Artes. Minha história com a sétima arte é antiga. A geração que hoje está na casa dos 40 anos teve uma formação cinéfila muito ligada às videolocadoras. Certo dia, em uma locadora perto de casa, descobri A Dança dos Bonecos (1986), de Helvécio Ratton, e fiquei com vontade de alugar. Depois que assisti a primeira vez me apaixonei. Minha mãe sempre deixava minha irmã e eu alugarmos cada uma um filme no final de semana. Mas enquanto minha irmã sempre variava na escolha, eu continuava alugando o mesmo — e ela ficava brava comigo, porque perdia a chance de ver outra coisa. Mas A Dança dos Bonecos continuava firme e forte na TV de casa. Quem imaginaria que anos mais tarde, eu trabalharia na divulgação de uma produção do Ratton e ele me daria um DVD do filme depois de eu ter falado que aluguei na infância mais de 50 vezes.


Estar numa sala com outras pessoas para assistir a um longa faz parte da magia do cinema. A primeira vez que tive essa experiência e que me lembro vividamente foi por volta dos 6 anos, quando meus pais me levaram para ver Labirinto - A Magia do Tempo (1986), com o David Bowie. Me recordo da sensação boa de estar sentada numa cadeira grande comendo pipoca enquanto o filme passava na telona. Além de ter me tornado amante de cinema, também comecei a amar o David Bowie.


Desde a juventude, os cinemas de rua sempre estiveram presentes na minha vida. Sinto que esses espaços são mais democráticos em vários sentidos. Além da programação diversa e com curadoria cuidadosa, existe uma preocupação política com o que vai ser exibido, o que não acontece muito em cinemas de shopping. Os ingressos costumam ser mais baratos. O próprio acesso físico também é algo que faz toda a diferença. Você está andando na rua e pode simplesmente entrar de forma fácil para ver um filme. Antigamente, eu passava na frente de um cinema de rua e via aqueles cartazes imensos com a programação. A escolha do que assistir vinha com o poster que me chamava atenção. Há todo um charme que os shoppings não possuem.


Por esse e outros motivos, espaços como o Belas Artes estão de pé até hoje. Eu estava lá no dia que ele fechou, quando o HSBC deixou de patrociná-lo e surgiu o movimento em defesa do cinema. Fui porque fiz questão de me despedir e não sabia o que iria acontecer. Havia muitas pessoas, com cartazes e placas, protestando para valer. Nesta ocasião, cada sala exibia um filme diferente que fez parte da história do Belas. O clima era triste, mas felizmente ele voltou à vida depois.


Protestos contra o fechamento do cinema quando houve perda do patrocínio do HSCB. Imagem: Paula Ferraz


A pandemia foi o baque mais recente pelo qual o Belas passou — e que afetou não só ele, mas toda a indústria cinematográfica. Como em outros momentos da sua história, porém, ele se reinventou e sobreviveu ao caos. Quando o cinema abriu as portas durante sua primeira reabertura, em outubro de 2020, havia uma fila de pessoas. O público, ansioso, sequer esperou — já foi passando por debaixo do portão enquanto ainda abria. Não foi um retorno que trouxe muitas pessoas, pois o medo da Covid-19 ainda era forte. Mas seguindo os protocolos de segurança como máscara e distanciamento, alguns voltaram, especialmente aqueles que queriam ver a versão restaurada de Apocalypse Now (1979), em cartaz por lá na época.


Primeiro comprador na reabertura do cinema durante a pandemia. Video: Paula Ferraz


Entre as formas que o Belas encontrou para se manter na ativa, ele reviveu, em São Paulo, uma tradição antiga do cinema: os Drive-Ins. Apesar de ter lançado seu próprio streaming, o Á Lá Carte, a empreitada não foi suficiente para suprir aquele gostinho de assistir a um filme com outras pessoas, algo que só uma sala de cinema proporciona. Mas era impraticável com o vírus circulando. Foi então que André Sturm pensou em fazer um drive-in no Memorial da América Latina. Quando ele trouxe a ideia para a equipe, os detalhes do projeto estavam quase todos decididos. Foi tudo muito rápido: dali a um mês, em junho de 2020, o "cinema sob rodas" já estava funcionando.


Eu cuidei de toda a comunicação, o que foi um desafio, porque as pessoas não estavam saindo de casa de jeito nenhum. Alguns tinham medo até de sair de carro. Seguimos todos os protocolos necessários, e o ponto do Drive-In é que ele era ao ar livre, e o público assiste aos filmes no conforto do próprio automóvel. Senti um alívio quando vi que o projeto deu certo, porque foi uma forma que encontramos para não ficarmos loucos dentro de casa. Foi um baita sucesso. No dia que as vendas abriram, para um mês, os ingressos esgotaram em um dia. De junho até outubro, as sessões estavam 100% cheias. As pessoas gostavam de ir.


Ao longo dos anos, o Belas Artes sofreu com diversas ameaças de fechamento. Ao meu ver, o espaço é um símbolo de resistência entre os cinemas de rua de São Paulo. Alguns não tiveram força suficiente para continuarem funcionando e, infelizmente, deixaram de existir. O Belas está sempre buscando novidades, desde o Noitão, que é um sucesso há décadas, até a exibição de filmes com banda ao vivo. É renovar para se tornar eterno.


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